Delilah deixou Lua deitada na rua e foi caminhando em direção ao carro. Estava sentindo que precisava de água urgentemente e caminhou apressada pensando em entrar no carro e dirigir até alguma lanchonete.
- Você é pra sempre a Devaca. – Lua falou baixo e ninguém ouviu. Começou a se apoiar com os braços trêmulos e foi se levantando novamente.
- VOCÊ! É PRA SEMPRE A DEVACA! – Gritou ao ficar de pé. A voz saiu rouca e cansada, os cabelos um pouco desalinhados. Delilah estava de costas, já abrindo a porta do carro, mas virou e viu Lua lá. Surpreendeu-se por ela conseguir levantar. Começou a caminhar em direção à Lua novamente, mas sua visão foi ofuscada por uma luz de farol que se aproximava. Ao chegar perto, o motorista diminuiu as luzes e parou o carro.
- O QUE PENSA QUE ESTÁ FAZENDO DELILAH?! – Peter desceu do carro e bateu a porta com força.
- Peter? – Lua o observou caminhar até Delilah e sacudi-la pelos ombros.
- ME SOLTA MALUCO!
- VOCÊ MACHUCOU A LUA? EU TE FALEI PRA NÃO FAZER ISSO, VOCÊ É TONTA?
- EU FIZ O QUE TINHA QUE FAZER SIM, E VOCÊ? VAI FAZER O QUE?
Peter empurrou Delilah e ela caiu de bunda no chão.
- É A POLÍCIA! – Nick gritou e entrou no carro ao ouvir o som da sirene. Delilah não teve tempo de levantar e entrar no carro, então se embrenhou no mato. Nick saiu cantando pneus e os carros da polícia passaram voando atrás dele. Lua e Peter ficaram num canto só observando.
De repente ficou tudo em silêncio quando todo aquele caos se afastou. Lua torceu com cada fibra de seu corpo que a polícia prendesse todos que estavam no maldito carro vermelho que a assustou. Esqueceu-se que Delilah não estava nele. Estava fugindo entre as árvores.
- Lua. – sentiu uma mão tocar seu ombro – Você ta bem?
Ela apertou os olhos por dois segundos, mal podia acreditar no que havia acabado de acontecer.
- Pete! Foi tudo horrível! – agora que caiu na real, o abraçou.
- Calma! Ela te machucou muito? Quer ir pro hospital?
- Só quero ir pra casa!
- Vem, eu te levo.
- Mas hey?! O que você está fazendo aqui?
- Eu estava indo pra casa. Peguei esse caminho hoje porque estava um trânsito infernal lá na avenida, e a culpa é daquele Metidinho-Aguiar! – Peter falava enquanto ia caminhando até o carro com Lua apoiada em seu ombro. Ela prendeu o ar quando ouviu aquele sobrenome, tinha até esquecido do show dele na praça.
- Hum... de qualquer forma, obrigada por aparecer! Mas agora você já pode ir, eu acho que vou andando até ali... – Lua apontou para o fim da rua e foi se desgrudando de Pete feito uma criancinha que quer correr para o tio dos balões.
- Não, nada disso! Ta pensando que é brincadeira? Vou te levar pra casa, você mal agüenta caminhar!
Ela foi empurrada até a porta do carro e sentou no banco. Se tivesse mais força, lutaria contra. O desgaste físico, emocional e a tontura causada pelos drinks estavam insuportáveis. Era como se ela precisasse fechar os olhos e dormir por três anos.
- Achei que você já tivesse ido embora pra Oxford. – Lua quebrou o silêncio dentro do carro.
- Na verdade, volto amanhã... Lu? – Peter colocou o sinto de segurança e parou segurando a chave e olhando pra ela. A garota no banco do passageiro respirou fundo. – O que há entre você e Arthur afinal de contas? É que eu pude ouvir algumas coisas que ele estava dizendo enquanto eu estava preso na fila de carros, ele falou de bla bla bla...
- Hein? – Lua se virou pra Pete, olhava pra ele atentamente, mas parecia não ouvir o que ele estava dizendo. Parecia tudo bla bla bla. As palavras estavam embaralhadas na cabeça dela. Uma pontada forte no meio da barriga a fez apertar os olhos e não conseguir abri-los mais.
- Arthur, se ela não aparecer e nem te ligar depois de tudo o que você disse pra todo mundo ouvir eu juro que ela vai ser uma Blanco morta amanhã! – Sophia sacudia a cabeça com as mãos nas bochechas.
- Mas ela não ta ligando! Já se passaram dez minutos do fim do show! – Arthur batia as pontas dos dedos das duas mãos. Era muita ansiedade pra um Arthur só. O show terminou sem a presença de Lua. Até a platéia que se formou no parque foi se retirando aos poucos e não acreditavam que “a tal garota” não apareceu. Arthur se sentou no palco balançando as pernas com o celular na mão, esperando que ela pelo menos ligasse.
- Sossega cara! Vai ver ela se emocionou e está esperando parar de soluçar! – Pedro jogou algumas pipocas na cara dele.
- Conheço minha prima, ela se emociona até assistindo Tom e Jerry!
- Será que ela ta ligando pro meu apartamento? Hey! ELA TEM O NÚMERO DO MEU APARTAMENTO?
- ELA TEM, OK! – Melanie o segurou pelos ombros e o olhou nos olhos – Fica frio, a gente deixou fácil uma agendinha na sala com os números de todo mundo!
- Deixa de ser retardado! Por que ela ligaria pro seu apartamento se você está AO VIVO aqui? A menos que ela ache que você é the flash... – Chay passou por ele dando um peteleco na orelha e se sentou ao lado dele em seguida. Grande parte da aglomeração já havia ido embora por livre e espontânea pressão da equipe do programa, que ordenou a desocupação do local para que eles pudessem desmontar as estruturas armadas. Apagaram as luzes, a bateria foi levada, a banda foi embora. Contando apenas com a iluminação comum dos postes, ficaram todos quietos. Cada um mergulhado em seus próprios pensamentos e Arthur provavelmente fazendo reza brava pro celular tocar. Esse silêncio foi interrompido quando um risco vermelho passou. Na verdade era um carro em alta velocidade. Na verdade... era o carro de Nick. Ele perdeu o controle da direção e o carro girou sobre a pista molhada. Só parou quando acertou em cheio a trazeira do Renault Sandero azul de Chay, que avançou e por questão de milímetros não bateu na trazeira do Nissan vermelho de Arthur. Duas viaturas cercaram o carro e um rapaz saiu correndo, os outros dois foram rendidos ali mesmo.
Arthur estava todo torto, virado pra trás para observar. Ele e Chay estavam em choque, paralisados demais pra mexer qualquer músculo. Ninguém tirava os olhos da cena! Eles viram uns policiais se aproximando e perguntaram de quem era o carro batido. O proprietário deveria tomar algumas providencias imediatamente, então Chay pediu um guincho e foi junto com eles até a delegacia.
- Eu vou com você se quiser – Melanie tocou o braço dele.
- Não, aquilo não é lugar pra você ir! E eu não sei se vou demorar... você pode ir pra casa, ou me esperar no meu apartamento.
- Ok. Qualquer coisa liga! – se despediram com um beijo rápido e ele foi.
O rapaz que havia fugido correndo também foi capturado e as viaturas estavam prontas pra ir embora.
O resto das pessoas permaneceu sentada onde estavam. Todos estavam chocados pela violência da cena, o barulho da batida... Pelo menos ninguém se machucou! Arthur se distraiu tanto que até esqueceu por que estava sentado naquele palco. Mas quando foram começar a desmontá-lo, ele se lembrou.
Arthur e todos os seus amigos foram chamados pra voltarem ao trailer, onde encontraram Cora. Ela olhou Arthur com compaixão. Ele se sentiu o homem mais fraco do mundo por merecer receber um olhar assim. Um olhar de quem está vendo alguém miserável e sem sorte pra nada. Arthur Aguiar nunca se sentiu tão no fundo do poço.
- Ahn... – Lua abriu os olhos devagar com uma luz forte na cara, era o farol de um carro que vinha na mão contrária.
- Lua? Que bom que ta acordando!
- Onde... onde eu to? Pete? – ela olhou pro lado com a mão na cabeça e viu Peter dirigindo, depois passou a mão pelo cinto de segurança, olhou um pouco ao redor e viu que estavam no carro dele. Aquelas cenas pavorosas voltaram à lembrança e ela sentiu o estômago embrulhar com isso.
- To te levando pra sua casa. Você disse que queria ir pra casa, não disse? Você se lembra, né?
- Relaxa Pete! Eu lembro... Não sou uma maluca, eu só apaguei! – 'Por que eu não to surpresa? Certo, esses apagões estão começando a me preocupar!’ ela pensava olhando pra janela. O carro parou no semáforo e ela pôde ver uma loja com aparelhos de tv ligados. Todos no mesmo canal. O programa da Cora estava sendo interrompido por alguma notícia urgente que não podia esperar. Por um segundo ela quis gritar para Peter dar meia-volta e levá-la ao parque, mas só de pensar nisso, uma pontada forte na barriga a fez desistir até de respirar por uns momentos. Sentiu que estava sem forças e qualquer coisa que ela quisesse fazer teria que esperar o dia seguinte. Cora's Interview foi substituído rapidamente pela vinheta do jornal. Estavam anunciando a bagunça feita nas ruas de Londres após um assalto a uma joalheria. Mostraram imagens de um cinegrafista amador e ela viu o Fiat vermelho em que estava Delilah. Peter olhou pra Lua e viu que ela estava com a cara praticamente grudada no vidro da janela.
- Err... você ainda não me respondeu, desde quando você e Arthur...
- Olha, o sinal já abriu. – Lua viu que um carro já buzinava atrás deles e chamou a atenção pra fugir da pergunta. Ela não queria falar de Arthur com Peter por se sentir desconfortável. Por saber que os dois nunca foram melhores amigos. Peter se lembrava que quando Arthur foi embora da escola, ele estava no segundo ano e achou ótimo porque Arthur e Lua só andavam juntos pra cima e pra baixo então não dava pra ele se aproximar da garota.
‘Será que se envolveram enquanto eu e Lua ainda estávamos juntos? E se ela me traiu?’ ele pensava sério e sem tirar o olho da estrada. Como se seu único medo na vida de repente fosse esse.
- Certo. Ela não vai ligar, muito menos aparecer. – Arthur guardou o celular desanimado vendo que não tinha nenhuma ligação perdida. Já estavam indo pra casa e antes de entrar no carro Arthur olhou ao redor, até onde seus olhos alcançavam. Tinha esperança de ver uma garota caminhando ao longe, tinha esperança que Lu ainda pudesse chegar.
- Talvez ela tenha dormido! – Soph comentou olhando pra Mel – ultimamente ela ta dormindo feito uma tartaruga!
- Não, eu acho que ela não quer falar comigo mesmo. Quer saber, eu vou logo pra casa e dormir. Essa coisa de show improvisado na praça cansa muito... – Arthur deu a partida no carro e quem o observasse podia jurar que ele havia acabado de ligar o modo foda-se. ‘Tudo bem, agora é bola pra frente.’ Ele pensou e acelerou de uma vez, deixando aquela praça pra trás como uma lembrança ruim.
No meio da noite úmida, um par de tênis brancos sujos de lama caminhavam pelo mato. Abrindo caminhos entre as folhas, pisando em gravetos, produzindo sons na floresta escura. Delilah estava com medo. Se perdeu no mato. Ela teve o azar de tentar fugir da polícia por ali, se escondeu tão bem que nem ela mesma sabia onde estava. Não sabia mais o que era real. Preferia ser encontrada por policiais, de preferência, o mais rápido possível.
Delilah’s point of view ON
Eu não sei o que está acontecendo. Parece que eu to presa nessa bosta! Se o Peter não tivesse chegado, ele não teria me atrapalhado. Se bem que ele provavelmente vai levar a garotinha pra casa e se ele for esperto como eu acho que é, vai dar uns catas nela! Ela já ta grogue mesmo, não deve ser difícil catar uma menina assim... E se o Arthur visse, ia resolver todos os meus problemas, olha só que maravilha! Eu sou foda! Já fugi da polícia duas vezes hoje, bati numa inimiga, recuperei minhas jóias! Tudo num dia só! Acho que o dia rendeu assim por causa daquelas balinhas! To aqui pensando seriamente em tomar logo umas oito amanhã!
"grrrh"
Quê?
O que foi isso?
Ouvi um barulho! Eu ouvi!
"grrrrgrrrrr"
AAAAAAAAAAAA MAMÃE! Calma Delilah. Pensa, pensa. O que pode ser isso? Hm... ta parecendo um bicho. Mas que bicho? Ah, minha cabeça ta doendo, essa porra toda ta girando, meu coração parece que vai explodir dentro do meu peito, feito um silicone barato. Eu só quero sair daqui antes que isso aconteça!
Delilah’s point of view OFF
Delilah se movia agitada por entre os troncos das árvores. O cabelo tinha algumas mexas coladas no rosto devido a um suor estranho que começou a brotar de repente por todos os lados. Foi ficando difícil respirar, a boca estava seca e não dava pra ver quase nada naquela escuridão. Quando estamos no escuro, os ouvidos assumem o controle, passando a registrar os mínimos ruídos à nossa volta. Ou talvez isso seja apenas uma conseqüência do medo. Seja como for, Delilah ouvia grunhidos. E eles ficavam cada vez mais próximos.
A escuridão se devia às copas das árvores, mas em alguns pontos o brilho da lua conseguia chegar e dava pra ter uma boa visão. Apesar disso, Delilah sentia seus olhos embaçados e por mais que esfregasse, não conseguia melhorar. A essa altura, ela já não entendia nada daquela caminhada sem sentido. Chegando até a esquecer, por alguns segundos, como foi parar ali.
Num dado momento, mesmo com sua visão embaçada, ela pôde ver dois pontos brilhantes num lugar alto. Não fazia idéia do que seriam aqueles pontos de luz, mas os achou hipnotizantes e começou a caminhar até eles. Caminhou com dificuldade, tropeçando nos gravetos e ao chegar mais perto, a surpresa não foi boa. Era um animal em pé sobre uma rocha. Um animal de grande porte que ela não se preocupou muito em identificar a espécie porque preferiu sair correndo a ficar ali pensando.
Uma caçada começou e ela corria entre as árvores como se não fosse a mesma que estava caminhando com pequenos passos alguns segundos atrás. Reconhecia os mesmos grunhidos famintos de antes, só que agora correndo atrás dela. E correu como nunca havia corrido antes, desesperada. Após vários metros percorridos com aquela coisa perseguindo-a, uma dor começou a se espalhar pelo braço esquerdo. Era como a mãe de todas as câimbras. O ritmo da corrida diminuiu involuntariamente com isso e o que quer que estivesse atrás dela, a alcançou. Delilah tombou sentindo um peso enorme sobre suas costas. Ouviu o barulho de suas roupas sendo rasgadas e gritava por socorro numa última esperança de ser salva daquilo. De repente ficou muito curiosa pra saber o que seria "aquilo" e já que era pra morrer então que morresse olhando nos olhos "daquilo".
Com muito esforço ela se virou de barriga pra cima e viu. Era o contorno de uma cabeleira grande e despenteada. Focinho largo, boca enorme cheia de dentes... Ela só estava vendo um vulto, mas concluiu que era um leão. Um - faminto - leão.
Você é pra sempre a Devaca.
Escutou essa frase num sussurro, mas não havia nenhum ser vivo ali, além do leão. Delilah pensou seriamente na hipótese do leão ter falado! O animal soltou um bafo muito próximo ao rosto dela e depois deu passos para trás. Ele chegou aos pés dela e passou o focinho por toda a extensão da canela, como se estivesse apreciando o cheiro da refeição antes de saborear. Delilah apertou os olhos e só se passou um segundo até ela escutar o barulho de sua carne sendo arrancada. Junto veio a dor... Ela desejou morrer rápido para não continuar sentindo. Os gritos puderam ser ouvidos a quilômetros de distância.
Policial point of view ON
Prendemos os assaltantes da joalheria, mas ainda falta uma. É uma moça, Delilah Miller.
Um dos rapazes que prendemos disse em sua confissão que a tal moça é irmã dele e mentora do crime. Ela não entrou no carro junto com ele, mas nós vimos quando entrou na floresta da Rua Franklin. Eu e mais um colega encostamos o carro por ali. O carro de um jornal e outro de uma emissora de rádio chegaram atrás de nós. Às vezes esses caras são tão enxeridos que me dá vontade de mandá-los pra puta que pariu. Eles prometeram não sair dos carros e assim é melhor, se viessem, teríamos que cuidar deles também.
Pelos postes de luz dava pra ver uma chuva fraca caindo. Será que minha caçula levou agasalho pra faculdade ou será que eu esqueci de avisar pra ela que seus agasalhos chegaram da lavanderia hoje? Oops! Foco agente Lane! Você está trabalhando!
Eu me perdi em pensamentos cotidianos e meu colega John provavelmente se perdeu nos dele. Nós dois estávamos calados, apenas checando as pilhas das lanternas e a munição das armas quando ouvimos gritos. Eram gritos apavorados, como eu nunca ouvi antes.
Corremos em direção aos gritos, que vinham de dentro da floresta. Eles foram ficando estranhos, como se a pessoa estivesse se afogando. Uma voz afogada por líquidos, formando sons borbulhantes. Conforme íamos nos aproximando, outros sons vinham à tona, como um barulho enfurecido de folhas secas. Achamos a pessoa e minhas suspeitas se confirmaram, era a moça fugitiva. Delilah se debatia e agora sua voz já não estava tão forte. Ela pulava com o corpo inteiro e batia com as costas no chão. Tinha vários tremeliques e o líquido que a afogava era o próprio vômito. Ao que parece, é uma convulsão, talvez overdose... Os médicos saberão identificar melhor que eu. Pedi pra Jonh mantê-la sentada, assim ela parava de se afogar. Ela falava algumas coisas, devia estar com alucinações.
Carregamos a garota, que continuava se debatendo e tentando falar. Um de seus braços estava dobrado, com a mão torta. Jonh mediu o pulso dela enquanto eu dirigia apressado, ele disse que estava fora do normal. Batimentos acelerados, talvez esteja enfartando!
Deixamos a garota com os paramédicos e não sabíamos se ela estava consciente, pois havia parado de falar e só tremia, com menos força. Nós, policiais, precisamos ser de tudo um pouco. E precisamos de coragem e estômago pra ver essas cenas de jovens morrendo todos os dias. A minha filha tem a idade dessa garota e... eu nem quero imaginar. Eles confirmaram que ela estava intoxicada. Começaram os procedimentos, mas ela não resistiu.
Policial point of view OFF
Arthur, os meninos e as amigas de Lua chegaram ao condomínio sem entender ainda o que havia acontecido direito. Não tinham outros assuntos em que pensar. Ou lembravam da perseguição policial, ou da surpresa por Lua não ter aparecido nem no último minuto.
- Acho que vou pra casa, quero ver se a Lua dormiu mesmo! Caso ela tenha feito isso não tem problema, a gente tem o programa gravado, eu coloquei pra gravar antes de sair! – Melanie riu com cara de ‘eu sou ou não sou um gênio?!’
- Quer que te leve? – Micael se ofereceu vendo que Chay não voltaria tão cedo, Pedro estava mais pra lá do que pra cá e Arthur foi direto pro apartamento dele.
- Yep!
- Você vai ficar aqui, Soph? – ele se virou pra Sophia, que concordou com a cabeça.
- Vou te esperar voltar e acho que vou dormir por aqui mesmo...
- Ray?
- Também vou ficar, Micaelzito.
- Então vamos Mel, se despede aí dos seus amigos alcoolizados que beberam o tempo todo.
- Hey Micael, pode deixar que eu levo a Mel. – Arthur já tinha ido ao seu apartamento e voltou ao de Micael.
- Arthur, você não acha melhor deixar pra vê-la amanhã? – Micael o puxou de canto, com a mão em seu ombro.
- Não, Micael. Juro que não estou indo pra discutir com ela é só que... Ah, depois eu explico!
- Ta bom... vai lá.
Arthur não quis explicar por que quis ir, se antes dizia estar tão cansado. É que o cansaço desapareceu quando ele viu um papel assinado pelo Peter, grudado em sua porta.
Cante o quanto quiser!
Ela não vai aparecer aí porque não pode estar em dois
lugares ao mesmo tempo.
Então certamente ela prefere se despedir de mim,
que nunca a traí com a Delilah no sofá da minha casa!
Você já perdeu! Aliás, nós dois perdemos, mas pelo menos...
A DESPEDIDA É MINHA -he!
Peter já estacionava o carro na frente da casa de Lua. Ela continuava olhando pra janela, sem dizer nada. Os dois desceram e Pete foi com ela até a porta da casa.
- Desculpa pelo barraco na festa do outro dia. É que desde os tempos de escola eu já não ia com a cara do Arthur e nem ele com a minha.
- Hm... – ela soltou algum som em desânimo representando um "Tanto faz" resumido.
- Será que eu podia entrar? É porque... se você não tiver jogado fora... tem um casaco meu que deixei com você naquele dia que pegamos chuva, lembra?
- Uhum. Pode entrar e esperar aí na sala, vou procurar. – ela abriu a porta e deu espaço pra ele entrar.
- Tenho boas lembranças dessa sala de estar. – ele sorriu maroto caminhando em direção ao sofá enquanto Lua rolou os olhos pelas costas dele e subiu as escadas.
‘Hanhm ok... onde foi mesmo que eu deixei o maldito casaco? PQP! Se as coisas não pararem de rodar eu não vou conseguir achar!’ Ela chegou ao quarto e parou na porta de novo. Levou uma das mãos à testa, a cabeça estava pesada e manter os olhos abertos começou a virar desafio, assim como ficar em pé sem cambalear! Abriu a porta do guarda-roupa e sem querer esbarrou com o braço em um monte de coisas que caíram no chão fazendo barulho. Tinha um diário que ela já não mexia há tempos. Havia muito de Arthur nele, inclusive fotos. Esqueceu de queimar essas... Ela olhou pra baixo vendo o diário aberto e algumas fotos que estavam guardadas entre suas folhas escapando como se quisessem liberdade. Teve um certo alívio em saber que aquelas haviam escapado do fogo. A idéia de queimar tudo foi mesmo um impulso imbecil, quem nessa vida queima suas próprias fotos?!
Não demorou e Peter apareceu na porta.
- Deixa que eu te ajudo! – ele correu até a garota, que estava abaixada recolhendo as coisas. Abaixou-se também de frente pra ela.
- Não precisa... – Lua falou baixinho, mas ele já estava lá e não deu ouvidos. Pegou uma foto de Arthur e olhou pra ela, cerrando os dentes com a boca fechada. Não disse nada e enfiou aquela foto entre as folhas do livrinho. Depois ia pegar a última foto que estava no chão, ela também foi e as mãos deles se encontraram. Ela o olhou e ele estava aproximando o rosto, então virou a cara e ficou de pé.
- Já falei como te achei linda assim que te vi de novo na festa? – ele falou num tom de voz um pouco baixo e sedutor ao mesmo tempo. Se levantou ficando de pé bastante próximo a ela.
- Err, melhor eu achar logo esse casaco. – desviou os olhos do olhar dele e quando ia se virar pro guardarroupas de novo, ele a segurou de leve pelo braço.
- O casaco é o de menos.
- O que... o que você quer Pete? Ainda não entendi.
- Eu to vendo que você bebeu bastante hoje, mas acho que não é difícil perceber o que eu quero.
- Desencosta do meu braço vai... – ela falou com a voz meio mole, Peter aproveitou a moleza dela e deu um puxão trazendo-a pra mais perto, os dois corpos ficaram colados. A respiração dele batia no pescoço dela provocando uns arrepios na espinha. A mão que ainda segurava o braço de Lua foi deslizando até chegar no pulso dela. Pete guiou a mão dela por baixo de sua blusa, fazendo-a deslizar pelo peitoral. Em seguida soltou o braço dela e tirou a camisa. Lua mantinha os olhos fechados e se sentia cada vez mais tonta, sem saber se era a bebida ou aquela cena que estava deixando-a assim. Ao abrir os olhos, viu que Pete aproximava o rosto. Estava meio escuro, mas ela podia jurar que estava vendo os olhos castanhos de Arthur ali ao invés dos olhos negros de Peter! Ficou encarando aqueles olhos meio sem reação e viu que miravam sua boca, não fez nada e o deixou beijá-la.
- Obrigada por me trazer, Arthur! – Mel deu um beijo na bochecha dele.
- Vinte reais! – ele estendeu a mão.
- Você já é rico! Tem que trazer os amigos de graça mesmo! – Mel riu e ele também. Ficaram quietos depois.
- Será que...
- Você...
Eles falaram ao mesmo tempo e riram. Se referiam à mesma coisa.
- Err... será que... você acha que eu... devia entrar?
- Não sei! – Melanie mordeu o lábio e ficou pensando. Acabara de ver o bilhete que Arthur mostrou.
- Você não acha que ela estaria com o Pete, acha?
- Não mesmo. Quer saber, entra aí! Prova que é homem!
- É! Eu sou homem porra! Tenho coragem de entrar e pegar minha mina!
- Assim que se fala. – Melanie saiu do carro e viu que ele demorava pra abrir a porta.
- Espera! – uma expressão medrosa tomou conta do rosto dele – E se...
- Ah Aguiar, vá se foder então. – Mel reclamou com humor na voz.
- Ok, já to entrando Miss Simpatia!
Ele foi caminhando bem atrás dela. Parou um pouco pra observar a janela do quarto de Lu, a luz estava apagada. A porta da frente estava aberta e Melanie estranhou isso... ‘Luzes apagadas... o que essa tv faz ligada? Onde será que ela ta?’ Pensou e começou a subir as escadas.
- Não! Você espera aqui! Ela pode estar se trocando, pode estar de toalha, é melhor você ficar aí. – Melanie sussurrou e Arthur rolou os olhos.
- Não tem nada que eu não tenha visto ali!
- Eca! Não quero saber das coisinhas feias que vocês fazem! Você vai esperar aqui e ponto. Ah, desliga essa coisa aí.
Ele obedeceu e ficou ao pé da escada de braços cruzados. Melanie subiu devagar pra não fazer barulho. Ela não estava achando que realmente ia encontrar Peter com Lua, mas se isso acontecesse, preferia ver antes de Arthur.
- Uma estrada com sinais verdes, Arthur! – Lua sussurrou parando o beijo e dando risadas. Pete sentiu agulhas na garganta com isso. Estava tudo muito embaralhado na cabeça de Lu, de repente ela queria muito que Arthur estivesse por perto... Aquela tontura chata aumentava e a dorzinha na barriga também. Ela só teve tempo de passar um braço envolvendo a própria cintura e ver Melanie parada na porta boquiaberta antes de perder os sentidos outra vez.
- O que você fez com ela? – Mel fechou a porta e foi entrando no quarto. Pete segurava uma Lu molenga nos braços.
- Eu nada! Ela ta assim porque bebeu muito!
- E o que você ta fazendo aqui? – ela pôs as mãos nos quadris.
- Err... é melhor colocá-la na cama antes de começarmos a discutir, não acha?
- É. – Melanie cruzou os braços e ficou assistindo com olhares desconfiados Peter carregá-la até a cama. Depois ele caminhou até a camisa que estava jogada no chão e se abaixou pra pegar.
- Você espera aqui. – Melanie pôs a mão no ombro dele para impedi-lo de sair do quarto. Lembrou que Arthur estava lá em baixo e nessas circunstâncias era melhor que ele não visse Peter.
- Como? – Pete não entendeu e ela não explicou mais nada. Apenas saiu e trancou a porta por fora.
Mel desceu as escadas sem saber se estava fazendo a coisa certa! Mas Arthur só ficaria mais triste se visse o outro lá, sendo que aparentemente não aconteceu nada de mais.
- Nossa! Você viu? Eu vi agora, teve um assalto e foram aqueles caras que bateram no carro do Chay! – Arthur contava todo afobado com o controle da tv na mão e Melanie ficou com medo que Peter escutasse sua voz. Se os dois percebessem a presença um do outro iam querer causar confusão e a última coisa que ela queria essa noite era briga de homens! Fingiu desinteresse na notícia.
- Ah é? Hm...
- E aí eu posso subir, Miss Simpatia?
- Mas que porra é essa de Miss Simpatia? Você deixa de ser besta hein!
- Ta... eu posso ir lá ou não? Tem alguém aí?
- Tem. Uma garota que dorme profundamente com um livro aberto no colo.
- Ah. E então...
- É Arthur, aquela coisa do Peter foi só pra te assustar. Nem sei por que você dá ouvidos.
- É, tem razão. Eu vou indo então... Se a Lu acordar, mostre o programa pra ela!
- Pode deixar!
Melanie o acompanhou até a porta e suspirou ao fechá-la. Subiu de novo ao quarto, com uma leve preocupação por ter deixado o lobo mal sozinho com a garota...
Ela abriu a porta e viu Peter sentado na cadeira do computador, batendo um dos pés no chão.
- Pronto. – Mel sussurrou e acenou pra ele sair do quarto.
- Você é louca?! – Pete levantou e falou num tom de voz um pouco alto.
- Fala baixo animal, não quero que ela acorde!
Os dois foram saindo do quarto em seguida sem falar nada até chegar na sala de estar.
- Vamos... pode responder! O que veio fazer aqui depois de ter terminado com a menina dizendo que tava fodendo outra e não sei mais o que?
- Hey! Não foi bem assim que eu disse pra ela! – Pete negou fazendo cara de horrorizado.
- Que seja... Mas não muda os fatos.
- Certo. Mas era mentira.
- Hum?
- Eu tava com medo, ta legal? Namoro à distância não é a coisa mais maravilhosa do mundo e tava começando a me cansar… Terminei com ela antes de traí-la de verdade!
- Olha que nem era tão "à distância" assim! Você a via quase todos os finais de semana!
- Eu sei… Mas às vezes não dava pra eu vir e outras vezes eu chegava aqui e ela tava ocupada. Isso tudo foi me estressando, é tão difícil entender?
- Tudo bem, eu já entendi que você fez isso antes de pôr os chifres nela ou ser chifrado e tal. Mas e aí, por que ta aqui agora? Por que brigou com Arthur? Se arrependeu por acaso, gosta dela ainda?
- Na verdade não é bem isso… Eu vim passar uma semana na casa do meu pai, e eu tava me sentindo sozinho. – ele passou a mão pelo cabelo, num ato meio que de costume e Mel viu o pulso enrolado com gaze. Peter respirou fundo e continuou – Acho a Lu muito hot, saca! Eu não to ficando com ninguém agora e de repente… err… já que eu estou de passagem por aqui, achei que a gente pudesse ficar. Você sabe há quantas semanas não beijo ninguém?! É osso!
- Não interessa! Você só queria uma ficadinha? Por acaso pensou que se ela te amasse ainda, você estaria machucando a coitada, trazendo falsas esperanças?
- Você sabe que ela não me ama assim. Falando sério eu não pensei nisso mesmo porque eu acho que ela nunca me amou que nem ama o Arthur. – Ele deu de ombros.
- E você?
- O que? Eu? Não, eu não amo Arthur! – ele brincou.
- Pete!
- Ta bom, ta bom! Amei aquela garota por um tempo, mas acho que acabou… Se eu tiver forçado a barra, espero que ela me desculpe.
- E o bilhete que você deixou pro Arthur? Se você queria dar um susto nele, parabéns, conseguiu.
- Acho que eu exagerei um pouco, mas não vou fazer mais nada. Juro.
- Ok. Só uma coisa...
- O que, você é da polícia por acaso? Vamos terminar esse interrogatório, Veronica Mars?
- Qual é Peter? Quem não deve não teme! Eu só queria saber se você e a Delilah andaram juntos ultimamente...
- Eu e quem?
- Vi vocês conversarem naquele dia da festa, depois que vocês saíram e ficaram sentados lá fora. Eu estava um pouco bêbada, mas lembro!
- É, mas eu não a vi mais.
- Ta bom Peter, vai lá, vai...
Melanie acompanhou Peter até a porta e abriu pra ele. Antes de sair, ele hesitou um pouco.
- Err... Vê lá o que ela tem, ok? Não me parece muito bem. – e ele sabia bem o porquê.
- Deve ser a pressão baixa. Pode deixar que eu vou medir, tem o aparelho aí…
- Diga pra Lua que eu estou voltando pra Oxford amanhã, que peço desculpas pelo barraco na festa e tudo mais… Já falei isso pra ela, mas não sei se ela vai lembrar! – ele se despediu e saiu andando até seu carro.
Peter foi embora e ela fechou a porta. Não viu que Arthur estava escondido por ali. Só observando...
Se sentiu traído também pela amiga. Por que ela acobertou Peter? Foi pra casa com várias perguntas martelando na cabeça, não podia acreditar que Peter estava saindo da casa da Lua! Como ela pôde depois de jurar de pés juntos que não gostava dele?
Arthur’s point of view ON
Ok então. Se a despedida foi com o Peter eu não vou nem falar mais nada. Depois de tudo que eu fiz pra ela me perdoar, será que ela acha fácil ficar se humilhando na televisão?! Isso tirou até meu sono. Vou sentar aqui e escrever uma música... Quando estou com raiva elas saem ótimas!
Fui pro meu quarto e fiquei tentando escrever. Linhas e linhas... Por incrível que pareça, as palavras não tinham ódio! Pelo contrário. Um verso ficou assim:
Com um olho no relógio
E o outro no telefone
São 5:19
Estou me sentindo sozinho
Se eu pudesse falar com você
Eu queria que você soubesse
Que estou me sentindo sozinho
Mas não estou indo embora
Era realmente essa hora da manhã, cinco e pouco. E eu sozinho. Como ainda não tinha sono, preparei um leite com chocolate e fui pro sofá.
Merda, eu sentei em cima do controle. Que mania de deixar essas bostas no sofá! A tv ligou e eu já ia desligar, mas vi a apresentadora gostosa do jornal e... Hum?! Uma foto da Delilah ali no cantinho?
- O assalto à joalheria provocou caos na noite passada. Três integrantes da quadrilha foram presos.
A última era Delilah Miller. Morreu com uma crise de overdose ao chegar no hospital.
Delilah morreu? Ela estava fazendo um assalto? É coisa demais pra minha cabeça...
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